sexta-feira, 18 de outubro de 2013

Especialistas em Direito analisam segunda fase da Prova da OAB

Blog do Damásio de Jesus - Unidade de Criciúma publica artigo dos professores Darlan Barroso e Brunno Giancolli sobre a prova da OAB. Leia na integra:

Prof. Darlan Barroso


No último domingo deste mês foi realizada a segunda fase do XI Exame da OAB em todo o Brasil. Esta fase tem como objetivo primordial avaliar de aptidão dos candidatos na elaboração de peças práticas, as quais representam o principal instrumento de trabalho do advogado militante no contencioso, principal área de atuação dos profissionais recém-formados. E, assim, é de se esperar, que a banca examinadora observe este aspecto e, portanto, elabore questões que, verdadeiramente, sejam enfrentadas por um jovem profissional na militância da advocacia.

Em Direito Civil, o enunciado da peça prático-profissional narrava a existência de um sujeito que adquiriu a propriedade de um imóvel locado, no qual o inquilino se recusa a desocupar o bem.  Diante desta situação hipotética, o candidato deveria propor uma ação em nome do adquirente para o exercício da posse do bem adquirido. Como padrão de resposta para o problema, a Fundação Getúlio Vargas publicou um gabarito preliminar afirmando que a ação cabível na situação apresentada consistia em um despejo com pedido de antecipação de tutela.

De fato, a via processual apresentada pela OAB está correta. A doutrina e a jurisprudência majoritárias entendem que a hipótese narrada na peça prático-profissional deve atender especificamente esta modalidade de ação.

Contudo, surge uma questão fundamental no enunciado formulado neste Exame. Seria o Despejo a única via correta para atender a pretensão do cliente? Não existiria outra forma válida?

O Direito não é matemático. Resulta, pois, de um processo racional de interpretação de normas, as quais, em alguns casos deixam margem para diversas construções técnicas. O enunciado apresentado pelo IX Exame da OAB é grande exemplo dessa situação. Já é voz recorrente entre diversos candidatos nas redes sociais que o problema permitiria a propositura de outras medidas jurídicas, a exemplo de uma ação ordinária para pleitear a imissão da posse do cliente no imóvel adquirido. De fato, o raciocínio apresentado, é correto por várias razões. Mas são dois aspectos que ganham destaque.

O primeiro argumento é a própria estrutura do texto da questão, que induz o candidato à referida ação.
Ele dá margem a uma interpretação dúbia. Parte da doutrina afirma que com a denúncia, antes do período de 90 dias, não há sub-rogação do contrato de locação e, portanto, o adquirente não ostenta a condição de locador inviabilizando, portanto, a propositura da ação de despejo neste período. Ocorre que no problema este ponto fica obscuro.

Se não bastasse esta falha, outra questão que veio à tona em razão da estrutura do texto foi a exigência do padrão de resposta quanto ao pedido de antecipação de tutela. Não obstante a divergência terminológica dos requisitos do padrão e o dispositivo legal, o enunciado não continha nenhum elemento que permitisse ao candidato sequer presumir a existência de “perigo de dano”.

A regra do edital é no sentido de que o candidato deve abster-se de criar qualquer informação ausente no problema. Assim não é possível exigir que o mesmo criasse um fato estanho ao problema para “justificar” os requisitos exigidos no art. 273 do CPC.

Não se nega que a ação de despejo, a qual tramita pelo rito ordinário, admita a tutela antecipada, mas, para isso, o problema deveria conter indicações fáticas sobre o requisito que levasse à existência de algum perigo, o que não ocorreu.

Mas é o segundo argumento o mais importante e o mais crítico. Partindo da ideia de que a peça adequada para o caso seria a ação de despejo, pelas regras vigentes do Edital, não podem ser prejudicados os alunos que optaram por outra ação de conhecimento de rito comum ordinário.
Isso porque a Lei do Inquilinato (8.245/91) adota para a ação de despejo o rito comum ordinário, representando, pois, uma típica ação de conhecimento. Neste caso, portanto, o nome da ação não tem nenhuma relevância para a sua admissão e processamento em juízo.

Em outras palavras, independentemente do nome dado à peça, desde que constasse o processamento pelo rito comum, não seria ela indeferida em juízo (muito menos liminarmente). Nesse ponto é importante destacarmos, inclusive, o princípio da instrumentalidade das formas que rege o processo civil no Brasil.

De acordo com este princípio, previsto nos arts. 154, 244 e 249, § 2o do CPC, a forma do ato não é um fim em si, mas o modo e o meio de que serva a lei para que a relação processual atinja seus objetivos. Assim, não há que se cogitar de qualquer nulidade processual se a falha não causar qualquer prejuízo às partes. Na doutrina, Bedaque e Dinamarco, ao tratar do assunto, afirmam que o processo, embora seja regido por leis, não perde o seu caráter instrumental, vale dizer, o processo é instrumento através do qual se efetivam os direitos materiais. Também na jurisprudência, a instrumentalidade das formas já possui destaque, a exemplo de precedente destacado no Informativo 416 do período de 16 a 20 de novembro de 2009 do STJ.

Dessa forma, no caso narrado pela OAB, seja por meio da ação de despejo, ou por qualquer outra ação ordinária de conhecimento cujo pedido formulado tivesse como objetivo central a aquisição da posse do bem adquirido pelo autor estaríamos diante de uma relação jurídica processual válida e eficaz. Assim, os candidatos que optaram por ingressar com outras medidas ordinárias devem ter assegurado a possibilidade de correção de sua prova, até porque na prática teriam o regular o processamento da ação em juízo.

Sobre este ponto específico, é importante destacar, inclusive, a expressa referência contida no item 4.2.6 do Edital do IX Exame da OAB, o qual afirma que “Nos casos de propositura de peça inadequada para a solução do problema proposto, considerando, neste caso, aquelas peças que justifiquem o indeferimento Iiminar por inépcia, principalmente quando se tratar de ritos procedimentais diversos, como também não se possa  aplicar o princípio da fungibilidade nos casos de recursos, ou de  apresentação de resposta incoerente com situação proposta ou de ausência de texto, o examinando receberá nota ZERO na redação da peça profissional ou na questão.”

O rito da “ação de despejo” ou da “imissão na posse”, diante do caso narrado no problema, teria o mesmo processamento pelo rito ordinário e, consequentemente, não é caso de ser considerada esta peça como inadequada.

Os candidatos que fizeram ação comum (de imissão na posse ou qualquer outra pelo rito ordinário), têm direito de ter a peça corrigida, sem a aplicação do gabarito restritivo publicado preliminarmente na data da prova, sob pena de violação objetiva de regra do Edital do certame.

Esperamos que o Conselho Federal da OAB, na busca da aplicação de uma prova justa e em conformidade com a legalidade do Edital, cobre e oriente a Fundação Getúlio Vargas a corrigir as provas dos candidatos de civil com o gabarito aberto para admitir qualquer ação promovida pelo rito comum.

Darlan Barroso
Advogado. Mestre. Especialista em Direito Processual Civil pela PUC/SP. Diretor Pedagógico no Damásio Educacional. Professor de Processo Civil e Prática Civil no Damásio. Autor e coordenador de diversas obras pela Editora Revista dos Tribunais.

Brunno Pandori Giancoli
Advogado e consultor jurídico. Doutorando. Mestre pela Universidade Presbiteriana Makenzie. Professor de Direito Civil e Direito do Consumidor no Damásio Educacional, onde também é coordenador dos cursos de 2ª fase de Direito Civil para o Exame de Ordem.  Autor de diversas obras pela Editora Revista dos Tribunais

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