sábado, 8 de março de 2014

Dr. Damásio de Jesus escreve artigo para homenagear mulheres

Damásio de Jesus

Abordamos sobre um tema importante que me é particularmente grato. Vou escrever sobre as mulheres, justamente para homenageá-las no dia dedicado a elas.

Dizia Carlos de Laet, o jornalista carioca tão famoso há um século, que as mulheres constituem a metade mais bela da humanidade. É justo que nós, homens, que constituímos a outra metade, a menos bela, dediquemos de modo especial um dia para homenagear nossas companheiras na vida terrena.

Mães, avós, esposas, filhas, netas, sobrinhas, alunas, colegas, amigas, namoradas, todas merecem uma homenagem muito carinhosa e especial neste dia.

Não é fácil, entretanto, para um escritor ou jornalista ter alguma coisa nova, interessante e criativa para escrever sobre um tema tão visitado pelos talentos da humanidade escrevinhadora. Muito facilmente se cai na repetição vulgar, na banalidade, nos lugares-comuns mais cansativos e desinteressantes. O que é sublime está a um passo do ridículo – dizem os franceses. Está também a um passo da banalidade – posso acrescentar.

A mensagem escrita que se deve enviar às mulheres precisa ser sincera, singela, bonita e ter valor. Deve ter a sinceridade de uma declaração de amor, a singeleza e a beleza de uma flor, fazer-se estimar como a uma joia preciosa.

Nessas horas de apuros, os que escrevem costumam se louvar em certas obras de referência, nos célebres Dictionaries of Quotations, que prestam serviços inestimáveis. Já mais de uma vez tenho falado aos meus leitores de uma excelente obra desse tipo, escrita em nosso idioma: o Dicionário de Citações, de Paulo Rónai. É extraordinariamente bem feito e prático de se consultar. A ele devo não somente ter muitas vezes conseguido sair airosamente de situações de apuros.

Pois bem, desta vez também o saudoso Rónai não me pode ser de valia, tanto mais que desconfio que no dia de hoje milhares e milhares de pessoas pertencentes à minha metade da espécie humana também estejam sofregamente consultando o Rónai e outros dicionários análogos com o mesmo objetivo.

Recorro, pois, a uma fonte clássica. Uma característica das obras clássicas é que são permanentes, não envelhecem, conservam-se sempre atuais. Outra característica é que sempre apresentam aspectos novos, sempre podem ser relidas com gosto e proveito. Mesmo especialistas e estudiosos profundos sempre descobrem sentidos novos, encantos antes insuspeitados e preciosidades recônditas na leitura de obras como a Ilíada, a Odisseia, a Divina Comédia, Os Lusíadas ou El ingenioso hidalgo don Quijote de la Mancha.

Para homenagear as mulheres, vou aqui transcrever, à guisa de presente, um texto clássico, extraído da mais clássica das obras, que é a Bíblia Sagrada. Esse texto está no Livro dos Provérbios, livro inspirado por Deus e do qual é autor, segundo geralmente aceito, o famoso rei Salomão. É um livro maravilhoso, repleto de pensamentos bonitos e profundos, todo escrito no estilo do paralelismo oriental.

Em Provérbios, a certa altura o sábio rei de Israel louva a mulher forte. Louva-a num trecho muito conhecido, que antigamente se costumava reproduzir nos “santinhos” impressos, distribuídos nas missas de sétimo dia quando falecia alguma senhora que, pelo seu merecimento e pela sua conduta, que fazia jus ao epíteto elogioso de “mulher forte”, tal como o formulou Salomão.

É o seguinte:
“Quem achará uma mulher forte?
O seu valor excede tudo o que vem de longe,
e dos últimos confins da terra. 
O coração de seu marido põe nela a sua confiança,
e ele não necessitará de despojos (para viver). 
Ela lhe dará o bem, e não o mal,
em todos os dias da sua vida.
Buscou lã e linho,
e fez labores com a indústria de suas mãos
Ela é como a nau do negociante, 
que traz de longe o seu pão. 
Ela levanta-se ainda de noite,
e distribui o alimento pelos seus domésticos,
e o sustento pelas suas criadas.
Pôs a mira em um campo, e comprou-o;
 plantou uma vinha com o ganho das suas mãos.
Cingiu os seus rins de fortaleza, 
e fortaleceu o seu braço.
Tomou-lhe o gosto, e viu que o seu trabalho fortifica; 
a sua candeia não se apagará de noite.
Aplicou a sua mão a coisas fortes,
e os seus dedos pegaram no fuso. 
Abriu a sua mão para o necessitado,
 e estendeu os seus braços para o pobre.
Não temerá que venham sobre a sua família os rigores da neve,
porque todos os seus domésticos trazem vestidos forrados.
Ela fez para si um vestido acolchoado;
vestiu-se de linho finíssimo e de púrpura.
Seu marido será ilustre na assembleia dos juízes,
quando estiver assentado com os anciãos da terra.
Fez uma túnica de linho e vendeu-a,
 e entregou um cinto ao (negociante) cananeu.
A fortaleza e o decoro são os seus atavios;
e ela rirá no último dia.
Abriu a sua boca com sabedoria,
e a lei da clemência está na sua língua. 
 Considerou as veredas da sua casa, 
e não comeu o pão ociosa. 
Levantaram-se seus filhos, e aclamaram-na ditosíssima; 
(levantou-se) seu marido, e louvou-a.” (Prov 31,10-28)

Como descrição de um perfil moral da mulher ideal, esse trecho é notável. Como obra literária, é de uma beleza maravilhosa. Curiosamente, é também atualíssimo. Mulheres de todos os tempos se viram espelhadas nesse texto, ou se inspiraram nele para procederem na vida como mulheres fortes.

Vê-se, por esse texto, que a mulher não precisa abrir mão de sua feminilidade – aquilo que precisamente constitui sua especificidade e lhe confere um encanto todo particular – para ser forte. A fortaleza, uma das quatro virtudes cardeais ensinadas pelo velho Aristóteles, pode perfeitamente ser praticada por uma mulher, sem que ela nada perca de sua feminilidade.

Até mesmo as mulheres modernas deste nosso século, que trabalham com denodo e disputam em pé de igualdade e crescente sucesso o mercado de trabalho com os homens, tenho certeza de que não se considerarão nem um pouco diminuídas lendo esta poética e realística descrição da mulher forte.

O texto salomônico é clássico, de interesse e aplicabilidade permanentes. É também clássico por sempre conter belezas e profundidades novas.

Querem ver? Concluo este artigo com um desafio às simpáticas leitoras que tiverem a paciência de percorrerem estas minhas linhas: leiam com atenção e saboreiem intensamente esse trecho de Salomão, procurando extrair todo o seu conteúdo.

Depois, guardem o texto e voltem a lê-lo sete ou dez dias mais tarde.

Desafio-as a conseguirem fazer essa releitura sem descobrir novas maravilhas...

Garanto que não conseguirão!

Damásio de Jesus

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